NFT de Andy Warhol mesmo?

Ilustração Digital - Ana Paula Umeda

Andy Warhol faleceu em 1987, mas o grande expoente da Pop Art sem dúvidas conseguiu muito mais do que os meros “15 minutos de fama”, pelo contrário, mais de 3 décadas depois o controverso artista mostra que está mais atual do que nunca: algumas de suas criações digitais, feitas em meados dos anos 1980, foram mintadas (transformadas em NFT) e leiloadas pela Christie’s. Os valores pagos por 5 obras ultrapassaram os US$ 3 milhões, mas isso não aconteceu sem alguma polêmica.

NFT Warhol

Andy Warhol, Untitled (Self-Portrait) (ca. 1985k, minted as an NFT in 2021). ©The Andy Warhol Foundation

Mas antes de falar sobre Warhol vamos relembrar alguns acontecimentos no mundo das artes. Quem não gostaria de encontrar um Van Gogh ou um Caravaggio perdidos? Eu adoraria! A tela “Por do Sol em Montmajour” de Van Gogh estava num sótão na Noruega e suspeitava-se de sua autenticidade. A tela foi entregue ao Museu Van Gogh e em 2013 foi, finalmente depois de mais de um século, apresentada ao mundo como verdadeira. O quadro foi pintado em 4 de julho de 1888. Ele pôde ser datado com exatidão porque Van Gogh descreveu a pintura em uma carta a seu irmão, Theo, e relatou tê-la realizado na véspera da postagem.

NFT Warhol

Van Gogh – Por do Sol em Montmajour

Em 2016 uma versão de “Judite e Holofernes” de Caravaggio, que estava “perdida” há 400 anos, foi encontrada em um sótão em Toulouse, na França, graças a uma goteira. A casa havia sido adquirida pela família junto com as tralhas do sótão e lá estava o Caravaggio que teve sua autenticidade comprovada por especialistas.

NFT Warhol

Caravaggio – Judite e Holofernes

Estes são apenas dois exemplos, e pensando sobre essa loteria que algumas pessoas ganham (não podemos nos esquecer que são telas avaliadas em milhões) não posso deixar de citar o documentário “Made you look: A True Story About Fake Art” (no Brasil: Fake Art: Uma História Real) da Netflix. Conta a história da até então maior fraude de artes da história dos EUA, uma galeria de Nova York que comercializava pinturas falsificadas de grandes nomes como Rothko e Pollock. Como essas pinturas eram inseridas nas vendas: geralmente como algum grande “achado”. Vale a pena assistir, mas honestamente eu passei a ver esses “golpes de sorte” com bastante desconfiança desde então.

Outros acontecimentos que gostaria de repassar são as restaurações catastróficas. Quem não se lembra do afresco com uma imagem de Jesus que foi restaurado pela senhora Cecilia Gimenez na Espanha? E mais recentemente, também na Espanha, o quadro da Virgem Maria que ficou irreconhecível? São só alguns exemplos de como uma obra pode ser arruinada com a melhor das intenções. O processo de restauro existe e é legítimo, mas precisa ser feito por especialistas.

NFT Warhol

NFT Warhol

Mas o que achados e restaurações têm a ver com Warhol? Bem, essas obras recentemente leiloadas como NFT’s foram ‘encontradas’ e ‘restauradas’ e a polêmica está aí. Quem lembra do disquete? Os mais novos talvez nem façam ideia do que seja, mas era um disco onde eram gravados arquivos, programas e backups. Para se ter uma noção, para instalar o Windows 95 em seu PC, eram necessários 13 disquetes de 3,5 polegadas (também conhecidos como Floppy Disks). Cada um desses discos tinha capacidade de armazenar apenas 1,44 MB, hoje em dia isso não é nada!, e os arquivos de Andy Warhol estavam armazenados em disquetes como esses.

NFT Warhol

Floppy Disk – Disquete

Quem trabalha com arquivos digitais sabe que o armazenamento e a manutenção da legibilidade são grandes desafios. No caso Warhol, extrair os arquivos e fazer a leitura já foi uma tarefa complicada, foi preciso salvar em outro formato e fazer ajustes, afinal as obras foram produzidas em condições bem rudimentares se comparadas com as possibilidades atuais. Uma espécie de restauração foi feita de modo que a resolução e qualidade da imagem fossem melhoradas gerando um arquivo Tiff bem maior que o original. Nesse contexto a pergunta que surge é: mas a obra continua sendo de Andy Warhol? Eu acredito que sim, um Da Vinci restaurado (da maneira correta, claro!) não deixa de ser um Da Vinci. Não é muito difícil nos depararmos com versões restauradas de filmes ou músicas, um “Cidade dos Sonhos”, de David Lynch, em 4K continua sendo Lynch.

Andy Warhol conseguiu como poucos captar o espírito de sua época. Por mais que afirmasse que suas obras não possuíam nenhum significado além daquilo que estava representado sabemos que elas podem nos revelar muito mais. Podemos dizer que seus objetos, celebridades e repetições são a materialização daquilo que Walter Benjamin, n’A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica, chamou de existência serial: “Generalizando, podemos dizer que a técnica da reprodução destaca do domínio da tradição o objeto reproduzido. Na medida em que ela multiplica a reprodução, substitui a existência única da obra por uma existência serial”. Mais do que uma tentativa de restituir um pouco da aura perdida (ou que no caso nunca existiu) nas obras digitais, mas desde Warhol sabemos que isso já não seria mais possível, o NFT nos mostra que este é um caminho sem volta, cabe a nós fazer as escolhas necessárias para que seja algo positivo.