Fotografia Fine Arte e o Dia do trabalhador

Fotografia Fine Art
© Lewis Hine - Cotton Mill Girl, 1908

Hoje comemora-se o Dia Internacional do Trabalhador. Já abordamos em outro post a evolução da fotografia acompanhando a evolução da sociedade capitalista e, como não poderia deixar de ser, a evolução da classe trabalhadora. Muitos fotógrafos, de forma profissional ou não, se dedicaram a fotografar os trabalhadores; seja como denúncia ou documentação esses retratos fazem parte da história da fotografia e alguns desses registros foram responsáveis por grandes transformações. Por exemplo, as fotos de Lewis Hine, sociólogo e fotógrafo norte-americano, denunciando o trabalho infantil nos EUA que ajudaram a modificar a legislação daquele país.

 

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© Lewis Hine – Cotton Mill Girl, 1908

 

Temos muitos exemplos, mas vou focar em três fotógrafos que admiro muito. Irving Penn (16/06/1917 – 07/10/2009), fotógrafo norte-americano, muito conhecido no mundo da moda, produziu, durante os anos 1950 e 1951, uma série chamada Small Trades, que podemos traduzir como ‘ofícios menores’. Ele fotografou esses trabalhadores em três grandes cidades: Nova Iorque, Paris e Londres, mediante o pagamento de um cachê essas pessoas se dirigiam até o estúdio e eram fotografadas com seus trajes e instrumentos de trabalho. Ano passado o Instituto Moreira Salles realizou uma exposição em comemoração ao centenário de nascimento do fotógrafo.

 

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© Condé Nast (Br.) – Charwomen, London, 1950

 

Assis Horta (28/02/1918 – 17/04/2018), mineiro, fotografou principalmente as/os trabalhadoras/es, em Diamantina e arredores, de indústrias têxteis da região. Em 1943 a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que hoje completa 76 anos, exigia que a carteira de trabalho portasse a foto do titular e para se adequarem às novas exigências essas empresas contrataram os serviços de Assis Horta, esse seria o início de sua grande produção e para a maioria dessas pessoas essa seria a sua primeira fotografia.

 

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© Assis Horta

 

Marcel Gautherot (14/07/1910 – 08/10/1996), francês radicado no Brasil, se interessou por nosso país através da leitura de Jorge Amado. Tornou-se o fotógrafo favorito de Oscar Niemayer e fotografou, a partir de 1958, a construção de Brasília, mas desde sua chegada ao Brasil, em 1940, se dedicou à documentação da arquitetura, festas, costumes e também das mais diversas atividades de trabalho.

 

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© Marcel Gautherot

 

Estas séries fotográficas não são apenas belas. As imagens escondem uma história, elas comportam as dimensões do visível e do dizível, forma e significado. Elas mostram o que está oculto e escondem o que está claro, como nos diz o ditado: a melhor forma de esconder algo é colocá-lo em plena vista. Essas imagens resgatam a/o trabalhadora/o da invisibilidade que geralmente as/os acompanha.

Se tomarmos como exemplo a foto de Irving Penn, Charwomen, Londres, 1950, a foto mostra duas diaristas, com suas roupas e materiais de trabalho. O retrato feito segundo a marca registrada de Penn, fundo neutro e iluminação natural, ao mesmo tempo que nos informa a profissão em questão confere dignidade às duas mulheres. Sem o conhecimento prévio da função, a imagem feita por um renomado fotógrafo poderia nos fazer acreditar que este é um ofício muito respeitado, o que não deveria ser mentira, mas o que nos interessa é justamente o que a fotografia esconde: um trabalho árduo, mal remunerado, sem reconhecimento e praticamente invisível. E é justamente esse aparente “engano” que ativa a potência da foto, pois essa contradição entre o que foi retratado e o que realmente é fica ainda mais explícita, somos obrigados a reconhecer que não damos o devido valor à atividade mostrada, somos obrigados a admitir que normalmente não enxergamos essas pessoas.

As possibilidades de leitura e discussões são bem amplas e aqui tivemos apenas um exemplo. Esse tópico rende muita conversa, mas como meu espaço é limitado finalizo com uma frase da Annateresa Fabris para fazermos uma reflexão:

“Ao criar uma imagem ficcional, isto é, ao referir-se à pessoa, a pose permite analisar o retrato fotográfico pelo prisma do artifício, não apenas em termos técnicos, mas também pelo fato de possibilitar a construção de inúmeras máscaras que escamoteiam de vez a existência do sujeito original” (Annateresa Fabris – Identidades Virtuais: Uma leitura do retrato fotográfico).

Isso fica muito evidente nas fotos de Assis Horta. Ao contrário de Penn, as/os trabalhadoras/es de Horta mais do que posarem para produzir uma simples foto de documento, posaram para mostrar a maneira como gostariam de ser vistas/os. As fotografias são primorosas e quando nos propomos a analisar para além da forma encontramos a sua força e potencial para colocar nosso senso comum em xeque. Ótimo feriado e até a próxima semana.