Fotografia e sua missão prometeica

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Foto: Ana Paula Umeda

Metade do mês de outubro se foi e já passamos por várias ocasiões  em que vimos aquelas fotografias antigas para comemorar e homenagear o dia das mães, dos pais e das crianças. Essas datas podem provocar emoções diferentes em cada pessoa, mas é inegável o poder que essas imagens, apesar de toda a tecnologia atual, ainda possuem e a capacidade que os álbuns de família têm de nos transportar no tempo. Eu me sinto particularmente privilegiada pois tenho alguns tesouros guardados. Como na casa de ferreiro o espeto é de pau, a organização dessas imagens antigas deixa bem a desejar, mas isso não me impede de acessá-las sempre que sinto “saudades” de ver.

 

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Foto: Ana Paula Umeda

 

No Instagram tem uma hashtag que gosto muito de seguir: #vernacularphotography . A fotografia vernacular, ou simplesmente amadora, é o tipo de fotografia que costuma povoar nossos álbuns. Flagrantes engraçados, cenas cotidianas, crescimento das crianças, festas de família, viagens, passeios e por aí vai. O compromisso dela não é comercial, mas o registro, contar uma história ou reter determinado momento. As imagens que aparecem sob essa hashtag são as mais variadas possíveis e eu me divirto muito com elas.

 

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Foto: Álbum de família da autora

 

Ver essas fotos, além da satisfação pessoal, nos proporciona a possibilidade de exercitar a leitura das imagens. Já falei por aqui da ligação íntima que a fotografia tem com a modernidade e que sua descoberta e evolução acompanha a evolução da própria sociedade pós revolução industrial. Observar as roupas, os cortes de cabelo, as fachadas dos lugares, equipamentos e outros objetos que possam aparecer na cena, as cidades, enfim, cada quadro nos conta uma história, para além daquela mais imediatamente identificada.

 

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Foto: Ana Paula Umeda

 

Sebastião Salgado, em entrevista recente ao El País, falou que “as imagens de um celular têm uma qualidade incrível, mas não são fotografia. Fotografia é algo que você toca, que guarda” (El País, 2019). Ele se refere às imagens impressas, mas seria mesmo o fim da fotografia? Eu não tenho a resposta, o seu fim já foi decretado antes e esse tipo de questão requer muita reflexão, talvez nem exista uma resposta correta, mas sempre que me deparo com essas polêmicas fotográficas não consigo deixar de pensar se a fotografia não teria uma espécie de “missão prometeica”.

 

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Foto: Álbum de família da autora

 

Prometeu, na mitologia grega, defendia a humanidade e teria nos devolvido o fogo que Zeus, como punição, havia nos tomado. De maneira bem resumida: o processo de produção de imagem por meio da luz, com a utilização de materiais fotossensíveis, à época não existia o conceito de fotografia como temos hoje, foi oficialmente descoberto por Daguerre, o daguerreótipo, em 1839 (existia muita gente nessa corrida, mas não vou entrar nesse assunto neste post). O governo francês comprou a patente e deu a fotografia “como um presente” para a humanidade. Qualquer pessoa poderia fotografar, #sqn. Muita calma, no começo essa era uma atividade bastante complicada (envolvia a construção da câmera, o manuseio dos químicos, etc.) e nem todos podiam ter uma câmera ou mesmo o seu retrato.

 

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Foto: Álbum de família da autora

 

Com o desenvolvimento de novas técnicas e a invenção do formato “cartão de visita” (carte de visite) pelo fotógrafo Disdéri a fotografia foi popularizada, mais pessoas poderiam ter seus retratos. Mas foi com a Brownie da Kodak, de apenas 1 dólar e sem complicações, que em 1900 a fotografia foi massificada. Em analogia ao mito, do daguerreótipo ao smartphone, a fotografia de maneira prometeica sempre pareceu ser “roubada” dos deuses e entregue à humanidade. Foi graças a essa missão que hoje temos nossos álbuns de família e perfis nas redes sociais recheados de fotos.

 

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Foto: Álbum de família da autora

 

Essas imagens (de celular) são ou não fotografias? Claro que essa discussão está em aberto e ainda vai dar muito pano pra manga, mas acredito que seja importante trazer essas reflexões e mantê-las no horizonte; para além de questões técnicas, estéticas e mercadológicas a fotografia proporciona uma grande gama de possibilidades – até mesmo as fotos dos nossos álbuns de família – e pensar sobre a imagem, em mundo inundado por elas, é importante e necessário.

 

Foto: Álbum de família da autora

Foto: Álbum de família da autora