Metade do mês de outubro se foi e já passamos por várias ocasiões em que vimos aquelas fotografias antigas para comemorar e homenagear o dia das mães, dos pais e das crianças. Essas datas podem provocar emoções diferentes em cada pessoa, mas é inegável o poder que essas imagens, apesar de toda a tecnologia atual, ainda possuem e a capacidade que os álbuns de família têm de nos transportar no tempo. Eu me sinto particularmente privilegiada pois tenho alguns tesouros guardados. Como na casa de ferreiro o espeto é de pau, a organização dessas imagens antigas deixa bem a desejar, mas isso não me impede de acessá-las sempre que sinto “saudades” de ver.
No Instagram tem uma hashtag que gosto muito de seguir: #vernacularphotography . A fotografia vernacular, ou simplesmente amadora, é o tipo de fotografia que costuma povoar nossos álbuns. Flagrantes engraçados, cenas cotidianas, crescimento das crianças, festas de família, viagens, passeios e por aí vai. O compromisso dela não é comercial, mas o registro, contar uma história ou reter determinado momento. As imagens que aparecem sob essa hashtag são as mais variadas possíveis e eu me divirto muito com elas.
Ver essas fotos, além da satisfação pessoal, nos proporciona a possibilidade de exercitar a leitura das imagens. Já falei por aqui da ligação íntima que a fotografia tem com a modernidade e que sua descoberta e evolução acompanha a evolução da própria sociedade pós revolução industrial. Observar as roupas, os cortes de cabelo, as fachadas dos lugares, equipamentos e outros objetos que possam aparecer na cena, as cidades, enfim, cada quadro nos conta uma história, para além daquela mais imediatamente identificada.
Sebastião Salgado, em entrevista recente ao El País, falou que “as imagens de um celular têm uma qualidade incrível, mas não são fotografia. Fotografia é algo que você toca, que guarda” (El País, 2019). Ele se refere às imagens impressas, mas seria mesmo o fim da fotografia? Eu não tenho a resposta, o seu fim já foi decretado antes e esse tipo de questão requer muita reflexão, talvez nem exista uma resposta correta, mas sempre que me deparo com essas polêmicas fotográficas não consigo deixar de pensar se a fotografia não teria uma espécie de “missão prometeica”.
Prometeu, na mitologia grega, defendia a humanidade e teria nos devolvido o fogo que Zeus, como punição, havia nos tomado. De maneira bem resumida: o processo de produção de imagem por meio da luz, com a utilização de materiais fotossensíveis, à época não existia o conceito de fotografia como temos hoje, foi oficialmente descoberto por Daguerre, o daguerreótipo, em 1839 (existia muita gente nessa corrida, mas não vou entrar nesse assunto neste post). O governo francês comprou a patente e deu a fotografia “como um presente” para a humanidade. Qualquer pessoa poderia fotografar, #sqn. Muita calma, no começo essa era uma atividade bastante complicada (envolvia a construção da câmera, o manuseio dos químicos, etc.) e nem todos podiam ter uma câmera ou mesmo o seu retrato.
Com o desenvolvimento de novas técnicas e a invenção do formato “cartão de visita” (carte de visite) pelo fotógrafo Disdéri a fotografia foi popularizada, mais pessoas poderiam ter seus retratos. Mas foi com a Brownie da Kodak, de apenas 1 dólar e sem complicações, que em 1900 a fotografia foi massificada. Em analogia ao mito, do daguerreótipo ao smartphone, a fotografia de maneira prometeica sempre pareceu ser “roubada” dos deuses e entregue à humanidade. Foi graças a essa missão que hoje temos nossos álbuns de família e perfis nas redes sociais recheados de fotos.
Essas imagens (de celular) são ou não fotografias? Claro que essa discussão está em aberto e ainda vai dar muito pano pra manga, mas acredito que seja importante trazer essas reflexões e mantê-las no horizonte; para além de questões técnicas, estéticas e mercadológicas a fotografia proporciona uma grande gama de possibilidades – até mesmo as fotos dos nossos álbuns de família – e pensar sobre a imagem, em mundo inundado por elas, é importante e necessário.