Gerenciamento de cores – Perfil ICC

Gerenciamento de cores

Este é um assunto bastante complexo e muito importante para quem trabalha com imagem digital. Dada sua complexidade, minha decisão para abordar este tópico, neste post, foi fazer um recorte para tratar de alguns conceitos importantes e iluminar alguns pontos obscuros. Vamos logo de cara enfrentar uma das confusões que costumam acontecer: pensar que gerenciamento de cores é a mesma coisa que ajuste/tratamento de imagens. São coisas diferentes!

Grosso modo, o gerenciamento de cores é fundamental para que nossas ideias – e aqui podemos incluir as mais variadas linhas de atuação: fotografia, design, impressão, etc. –, quando materializadas (tanto na tela quanto no papel), sejam vistas da maneira mais fiel possível ao que foi planejado, esse é um dos grandes desafios desse variado conjunto de ferramentas, se não o maior. Eu vou utilizar a área da fotografia como exemplo por razões óbvias.

O tratamento de imagem é uma etapa da pós-produção do projeto onde ajustes serão feitos de maneira a corrigir eventuais problemas de captura, recortes e manipulações mais complexas e aplicação de recursos que trarão mais vida, digamos assim, para a imagem final, de modo que ela consiga expressar de forma consistente a visão da/o fotógrafa/o. O tratamento sem um gerenciamento de cores não é eficiente. O gerenciamento de cores está presente em todas as etapas de execução.

Luz e percepção da cor

Agora precisamos abordar rapidamente os conceitos de luz e cor. Não vou me demorar muito aqui porque são conceitos amplamente abordados e discutidos, mas necessários para não perdermos o fio da meada. Sabemos que a luz é uma radiação eletromagnética que quando propagada no espaço se comporta como onda e quando refletida sobre uma superfície se comporta como partícula (fótons). Existem comprimentos de onda invisíveis ao olho humano: raios gama, ultravioleta e raios cósmicos, por exemplo; e os comprimentos visíveis. Nossa maior fonte de luz visível é o Sol e hoje sabemos que a luz branca é composta pelos comprimentos que vão desde o violeta até o vermelho, também conhecidas como as cores do arco-íris. Jacques Aumont, no livro “A Imagem”[1], nos informa que:

“A classificação empírica das cores faz-se com a combinação de três parâmetros:

– o comprimento de onda, que define o matiz (azul, vermelho, laranja, ciano, magenta, amarelo …);

– a saturação, isto é, a ‘pureza’ (o rosa é o vermelho ‘menos saturado’, ao qual se adicionou branco); as cores do espectro solar têm saturação máxima;

– a luminosidade, vinculada à luminância: quanto mais elevada for esta, mais a cor parecerá luminosa e próxima ao branco; o mesmo vermelho, igualmente saturado, poderá ser mais luminoso ou mais escuro (AUMONT, 2005, p. 25)”.

Ele descreve o, talvez mais conhecido, HSL: hue (matiz), saturation (saturação) e lightness (luminosidade). Um pouco mais a frente Aumont [2] apresenta o princípio geral da mistura para a composição de novas cores a partir das primárias. Existem as cores aditivas, como no caso do RGB, onde pontos de luzes vermelhas, verdes ou azuis, colocados lado a lado (e muito pequenos para serem percebidos separados), se misturam na retina e formam uma nova cor por adição. Também temos as cores subtrativas, presentes, por exemplo, na pintura, aqui os pigmentos são misturados e por subtração (absorção de novos comprimentos de ondas) formam novas cores. Ainda de acordo com o autor, “o princípio geral da mistura é o mesmo nos dois casos: duas cores misturadas produzem uma terceira cor; com três cores, ditas primárias, pode-se obter qualquer outra cor, ao dosar adequadamente as três primárias” (AUMONT, 2005, p. 26).

Já é mais do que um clichê comparar o cérebro humano ao computador e nossos olhos às lentes/câmeras. A tecnologia evoluiu muito, mas, no seu atual estágio, o orgânico ainda mantém larga vantagem com relação à máquina. Vamos manter esta informação no horizonte e conversar um pouco sobre como funciona a percepção de cores. O olho humano (excetuando-se os casos de acromatopsia, nunca é demais lembrar!) percebe três comprimentos de onda: vermelho, verde e azul (RGB), como nos explica Philippe Meyer[3]:

“Mais de cem milhões de células retinianas no fundo de cada globo ocular recebem fótons – grãos de energia luminosa que se deslocam a trezentos mil quilômetros por segundo –, depois que sua trajetória foi modificada de acordo com a distância e a intensidade de sua fonte pelo cristalino (uma lente) e a pupila (um diafragma). Dentre as células retinianas, os bastonetes, que são cem milhões na periferia de cada olho, veem a luz branca de baixa intensidade; no centro, os cones, que são sete milhões, reconhecem as cores graças a seu conteúdo em pigmentos vermelhos, verdes ou azuis. Em outras palavras, a retina contém elementos sensíveis à luz natural e outros sensíveis aos diferentes comprimentos de onda coloridos, como se tivessem sido previamente separados por um prisma de Newton” (MEYER, 2002, p. 38).

Até aqui chegamos aos olhos, mas o processo de percepção não para por aí. Nosso cérebro tem participação fundamental e determina a maneira como enxergamos o mundo ao nosso redor. Aquilo que costumamos dizer que vemos é, na verdade, uma representação do ambiente e dos objetos construída por nosso cérebro a partir de seu vasto arquivo de memórias e experiências. Meyer [4] cita Roger Vigouroux para resumir a percepção das cores:

“A apreciação matizada das cores, requerida, por exemplo, pela observação de um quadro, exige um papel ativo do córtex, um ato de juízo e não de sensação. De fato, a visão cromática de uma composição permanece aproximadamente a mesma, sejam quais forem as condições de iluminação. Ela conserva uma constância espantosa, embora as características físicas da luz refletida não sejam idênticas. Esse fenômeno subentende, da parte do sistema nervoso, a capacidade de extrair de dados variáveis um modelo interno invariante que representa a cor percebida. Implica a existência de neurônios cuja atividade não depende dos comprimentos de onda recebidos pelo olho, mas sim de uma definição cromática dada. De qualquer modo, o cérebro distribui a cada uma de suas construções uma tonalidade colorida deduzida não somente das sensações que chegam até ele, da luminosidade, mas também de um modelo interno de representação de cores” (MEYER, 2002, p. 59).

Gerenciamento de cores

Vamos colocar mais um dado no nosso horizonte, o último trecho do parágrafo anterior: modelo interno de representação de cores. Aqui chegamos, depois de uma breve revisão sobre luz e cor, ao nosso assunto principal. Uma vez que a sensação de cor é produzida em nosso cérebro como podemos garantir que uma imagem seja produzida e reproduzida de maneira verossímil? Uma vez que a linguagem dos computadores é binária (0 e 1), como podemos dizer para uma máquina que o vermelho é vermelho? Para isso foram criados os modelos de cor e os espaços de cor.

Modelo de cor é um conjunto formado por cores primárias: RGB e CMYK são exemplos de modelos de cor. Mas como nos explica Andrew Rodney [5], no livro “Color Management for Photographers” (infelizmente não tem em português) apenas o modelo de cor não nos diz muita coisa. Ele compara uma receita de cookies, dizer que temos um valor RGB como R10/G30/B50 é a mesma coisa que dizer que para fazer cookies precisamos de 10 farinhas, 30 manteigas e 50 chocolates. Falta a unidade de medida. Essa unidade de medida, a escala, é o espaço de cor, como exemplos podemos citar o sRGB e o Adobe RGB. Quando indicamos para a máquina que o espaço de cor é o sRGB e os valores R10/G30/B50 ela vai saber do que estamos falando.

 

Gerenciamento de cores

Fonte da imagem: Wikkimedia Commons | Modelo RGB: cores aditivas, podemos pensar no caminho de volta do prisma, quanto mais cores adicionamos temos de volta a luz branca.

Gerenciamento de cores

Fonte da imagem: Wikkimedia Commons | Modelo CMYK: cores subtrativas, pense numa tela em branco, ela reflete todo o espectro. Quando pincelamos uma área com a cor vermelha, p. ex., ela subtrai o espectro vermelho daquela área. Quanto mais tintas colocamos, mais cores vão sendo subtraídas. Lembrando que devido à composição das tintas e pigmentos a mistura de CMY não alcança o preto, por isso ele é colocado à parte (K).

 

Gerenciamento de cores

Fonte da imagem: Wikkimedia Commons | Comparação dos modelos RGB e CMYK vistos na tela.

 

Vamos resgatar a segunda informação que deixamos no horizonte. Da mesma forma que nosso cérebro possui um modelo interno para representação de cores foi preciso criar esses modelos para as máquinas. Ainda de acordo com Andrew Rodney, os espaços de cor podem ser de dois tipos:

  • Dependentes do dispositivo: são os espaços que mais utilizamos o RGB e o CMYK, por exemplo. Cada câmera ou scanner, p. ex., possui um espaço específico, que depende de como aquele aparelho foi fabricado. Da mesma maneira cada impressora também vai ter o seu espaço de cor próprio de acordo com sua construção e pigmentos utilizados.
  • Independentes do dispositivo: são os espaços de cor que englobam a visão humana. O mais conhecido é o CIELAB (ou L*a*b ou apenas LAB) que é derivado de uma série de experimentos conduzidos em 1931 pelos cientistas de um grupo chamado CIE (Comissão Internacional sobre Iluminação, na minha tradução). Eles produziram um modelo matemático que representa as cores que são percebidas pelo olho humano.

Como podemos observar no “famoso” gráfico abaixo, o espaço de cor da visão humana ainda é o maior. Dentro deles são colocadas as representações dos outros espaços. Aqui podemos pegar a primeira informação deixada no horizonte, o orgânico ainda está ganhando.

 

Gerenciamento de cores

Fonte da imagem: Wikkimedia Commons | Comparação dos espaços de cor. A área coloria ao fundo representa a visão humana (CIELAB). Podemos ver que os demais espaços de cor são menores. Apesar de englobar algumas cores que ainda não podem ser representadas mesmo o ProPhoto RGB cobre 90% do CIELAB.

Calibração e Perfis ICC

Hoje temos modelos e espaços de cor que conseguem padronizar a representação das cores nos mais variados equipamentos e suportes. Essa padronização é importante, pois permite que uma foto capturada em sRGB, por uma câmera Canon, possa ser aberta em um iMac, ser trabalhada no Adobe Lightroom/Photoshop e ser impressa em uma impressora Epson em papel Photo Rag da Hahnemühle com o mais importante: mantendo-se o mais fiel possível à cena idealizada/capturada pela/o fotógrafa/o. O gerenciamento de cores permite que a “linguagem” (aqui no sentido das informações do arquivo) da foto seja traduzida para os mais diversos meios com o mínimo de perda de “sentido”.

Para que isso ocorra da maneira mais correta possível foi criado o ICC (International Color Consortium). Como nos conta Andrew Rodney, no início dos anos 1990, por iniciativa da Apple, várias empresas concordaram em criar uma grande plataforma aberta para a criação de soluções para o gerenciamento de cores. Os perfis ICC são arquivos padronizados que dão instruções, para os mais variados equipamentos, de como as cores devem ser representadas.

Quando fazemos a calibração de monitores, por exemplo, o espectrofotômetro vai realizar a leitura de como o monitor está representando as cores. Ele é composto por um aparelho que é posicionado à frente do monitor e o software que vai realizar a comparação com o padrão fornecido pelo ICC. Um diagnóstico é produzido e um arquivo é gerado, esse arquivo é o perfil ICC, que deverá ser instalado no computador e lá terão todas as instruções para que o monitor seja configurado de maneira a fazer a representação das cores de acordo com o padrão.

No caso das impressoras o software do equipamento de calibração irá imprimir um modelo, que é chamado de target. E a partir da leitura desse target, as comparações com o padrão serão feitas e será gerado o perfil ICC. É necessário gerar um perfil ICC para cada tipo de papel. O perfil irá indicar para aquela determinada impressora como ela deve se comportar para conseguir imprimir de acordo com o padrão em determinado papel. Essas calibrações precisam ser feitas para cada monitor e cada impressora periodicamente ou sempre que alguma mudança ocorrer no equipamento.

Essa foi uma pincelada rápida sobre gerenciamento de cores. Busquei explicar o funcionamento geral dessa vasta ferramenta, mas o assunto está longe de ser esgotado. É um tópico bastante extenso, complexo e não podemos nos esquecer que o processo também é custoso. No post de hoje vimos que tratamento de imagem e gerenciamento de cores são coisas distintas. Relembramos o conceito de luz e como acontece a representação das cores no cérebro. Saímos do nosso modelo interno de representação e entendemos que as máquinas também precisam desses modelos para representar as cores. Por fim vimos a necessidade de padronizar essas representações, com os perfis ICC, de maneira que mesmo possuindo/utilizando os mais diversos equipamentos seja possível obter o resultado mais próximo possível daquilo que foi planejado/capturado. Espero que a explicação tenha sido clara e abaixo eu deixei algumas referências. Até semana que vem.

Site ICC: http://www.color.org/index.xalter

Referências Bibliográficas:

[1][2] AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas, SP: Papirus Editora, 2005.

[3][4] MEYER, Philippe. O olho e o cérebro: Biofilosofia da percepção visual. São Paulo: Editora Unesp, 2002.

[5] RODNEY, Andrew. Color Management for Photographers: Hands on Techniques for Photoshop Users. Burlington, MA, USA: Focal Press, 2005.