Poesia Concreta: o poema como objeto

Poesia Concreta
Homenagem a Geraldo de Barros - Foto: Ana Paula Umeda

A poesia concreta surgiu, no Brasil, nos anos 1950. Na capital paulista, os irmãos Augusto e Haroldo de Campos se juntaram a Décio Pignatari e fundaram a revista Noigandres, em 1952, com o propósito de divulgar as ideias a respeito dessa nova forma de poesia. O movimento teve novas adesões e também rupturas, mas mesmo com 70 anos de idade continua a inspirar novas/os artistas.

Poesia Concreta

Poema concreto de Augusto de Campos, 1962

Antes de entrar na poesia recapitularei a arte concreta. Um de seus fundadores e grande expoente foi o arquiteto, designer e artista suíço Max Bill. Estudante da Bauhaus, seu trabalho teve grande influência no Brasil; de acordo com a Enciclopédia do Itaú Cultural:

“Bill é o principal responsável pela entrada desse ideário plástico na América Latina, sobretudo na Argentina e no Brasil, no período após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A exposição do artista em 1951 no Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) e a presença da delegação suíça na 1ª Bienal Internacional de São Paulo, no mesmo ano, abrem as portas do país para as novas tendências construtivas, que são amplamente exploradas a partir de então. Os prêmios concedidos à escultura Unidade Tripartida de Max Bill, e à tela Formas, de Ivan Serpa (1923-1973) na 1ª Bienal, realizada no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), são sintomas da atenção despertada pelas novas linguagens pictóricas”.

O concretismo, por sua vez, teve muita influência do construtivismo russo. Aleksandr Ródtchenko, designer/fotógrafo e um de seus grandes representantes, dizia que “precisamos revolucionar o pensamento visual” (1928) e foi exatamente isso que esse movimento, surgido após a Revolução de Outubro, fez. Outro nome importante é Vladímir Maiakóvski, considerado um dos maiores poetas do século XX e não podemos nos esquecer de Dziga Vertov com a sua preciosa contribuição para o cinema.

Poesia Concreta

Books (Please)! In All Branches of Knowledge, 1924

 

Poesia Concreta

Do livro: Maiakóvski Poemas, 2003, Ed. Perspectiva

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Do livro: Maiakóvski Poemas, 2003, Ed. Perspectiva

De acordo com Argan “o conceito de arte ‘concreta’, que desde 1935 (Max) Bill contrapõe ao de ‘abstração’, implica a refutação teórica radical da arte como representação; como pesquisa prática, é verdade que a arte se determina, necessariamente, num objeto, porém este se define não só como instrumento demonstrativo e didático, mas ainda como modelo de objeto, cujo funcionamento racional se realiza no próprio ato de seu ser percebido” (Arte Moderna, G. C. Argan, 1992, pág. 519).

A poesia concreta é caracterizada por esse racionalismo, temos o chamado “poema objeto” marcado pelo pragmatismo e a exaltação da forma em detrimento do conteúdo. O fim do eu lírico (subjetividade) e a abolição do verso tradicional. A disposição não-linear permite explorar o espaço do suporte, o poema é imagem.

No “Depoimento” de Décio Pignatari, no livro Teoria da Poesia Concreta: textos críticos e manifestos 1950-1960, o autor nos diz que:

“Todo poema autêntico é uma aventura – uma aventura planificada. Um poema não quer dizer isto nem aquilo, mas diz-se a si próprio, é idêntico a si mesmo e à dessemelhança do autor, no sentido do mito conhecido dos mortais que foram amados por deusas imortais e por isso sacrificados. Em cada poema ingressa-se e é-se expulso do paraíso. Um poema é feito de palavras e silêncios. Um poema é difícil. Adão. Sísifo. Orfeu.”

Poesia Concreta

Poema de Ronaldo Azeredo

Precisamos ter em mente que a poesia concreta surgiu no período que ficou conhecido como os “30 anos gloriosos do capitalismo”, tempos de prosperidade e grande desenvolvimento tecnológico. No Brasil, era o tempo de Juscelino com seu lema desenvolvimentista “50 anos em 5”. Não foi difícil para o poema concreto ganhar adeptos pelo mundo.

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Poema de Amanda Berenguer (Uruguai, 1921-2010)

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Poema de Ana Hatherly (Portugal, 1929-2015)

Os anos gloriosos se foram, mas o movimento concreto continuou a influenciar várias gerações de novos artistas. Montana Ray é uma poeta e tradutora norte-americana. No livro “(guns & butter)” a autora misturou poemas concretos em formato de armas e receitas. Em uma entrevista Ray diz que a “poesia concreta é sobre maquinário” e completa: “os fundadores do movimento de poesia concreta no Brasil pretenderam criar máquinas de poemas”.

Poesia Concreta

© Montana Ray – guns & butter, 2015

Arnaldo Antunes dispensa maiores apresentações. Músico, compositor, artista visual e poeta. Sem dúvidas um dos grandes expoentes da poesia concreta na contemporaneidade:

 

Renan Inquérito, fundador do grupo de rap “Inquérito”, é graduado em Geografia (Unicamp), mestre (Unicamp), doutor (Unesp) e poeta. Como descrito na sua bio: “Essa intimidade com a palavra também aparece na sua produção como escritor e dá vazão à sua face literária, que é profunda e contundente. Em suas obras, o poeta Inquérito compreende que a palavra que habita a página tem um poder diferente, seja em seu livro de estreia, onde apresenta a literatura marginal e periférica em #PoucasPalavras (2011); ou quando flerta com a poesia concreta, a qual ele mesmo chama de Poesia Pra Encher a Laje (2016) pois ‘só quem encheu a laje vai poder tomar sol’ e, ainda, quando faz a palavra transitar de um espetáculo para dentro de um livro, como é o caso de Literatura Ostentação (2016) que realizou em parceria com os artistas Luiza Romão e Daniel Minchoni. Ainda participou de diversas antologias nacionais e internacionais publicadas no Brasil, Argentina, México e Chile”. Em 2020 ele lançou a segunda edição de “Poesia para encher lage” que conta com prefácio de Arnaldo Antunes, participação de Marcelino Freire e do rapper Emicida.

 

O Coletivo Transverso – coletivo de arte urbana e poesia – de acordo com a bio no site: “O Coletivo Transverso foi criado em janeiro de 2011 com o propósito de pesquisar, desenvolver e realizar intervenções poéticas no espaço público. Desde então trabalha com arte urbana e poesia, a partir de técnicas como o stêncil, o lambe-lambe, o grafite, a performance, a criação de monumentos, entre outras. Não é difícil encontrar as suas intervenções pelas cidades.

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Coletivo Transverso

 

Poesia Concreta

Coletivo Transverso

 

Esse foi um breve giro pela poesia concreta, suas origens e alguns de seus desdobramentos. Apesar do nome poder sugerir a ideia de algo fixo vimos que ela pode ser muito flexível e se adaptar perfeitamente a novos suportes e principalmente às novas tecnologias. Seja na tela, no muro ou no bom e velho papel a poesia concreta continua viva. Conhece mais expoentes do concretismo? Deixe seu comentário!