Fotografia Autoral – algumas reflexões

fotografia autoral
Foto: Ana Paula Umeda

No nosso bate-papo de hoje conversaremos um pouco sobre fotografia autoral. Eu acredito que a essa altura do campeonato esse conceito já não seja algo tão misterioso. De qualquer maneira faremos uma breve recapitulação sobre o que é uma foto autoral e depois eu tentarei trazer algumas reflexões relacionadas ao assunto.

Sabemos que a fotografia pode ser divida em algumas categorias, como por exemplo: social (casamentos, festas, etc.), documental (lugares, festas populares, comunidades, etc.), moda/publicidade (editoriais, produtos, campanhas, etc.), fotojornalismo (cotidiano, acontecimentos, política, esportes, etc.) entre outras. Geralmente são trabalhos comissionados que podem ou não ser atravessados pela fotografia de autor. Por que podem ou não? Porque isso dependerá do grau de liberdade que a/o fotógrafa/o terá para realizar seu trabalho.

Fotografia autoral é uma maneira muito peculiar de se fazer uma foto. É um modo de ver e de se expressar mais subjetivo e conceitual. Eu gosto muito daquela imagem que circula na internet que mostra Dalí e Picasso pintando um ovo (não sei de quem é a autoria, se alguém souber deixe nos comentários, por favor), mas é bem divertido ver as diferentes maneiras de se representar o mesmo ovo: cada um de acordo com o seu modo particular de enxergar o mundo.

fotografia autoral

É por isso que a carga de autoria pode variar nos trabalhos comissionados. Nem sempre o cliente/empregador vai concordar com a abordagem e vai preferir uma fotografia mais convencional. O que não impede que fotógrafas/os mantenham um trabalho autoral paralelo ou ainda que se dediquem exclusivamente a este. É aí que entramos no campo das artes. Uma fotografia autoral também pode ser definida como uma fotografia artística.

Aqui pode surgir a questão: mas existem muitas fotografias documentais, de fotojornalismo e outras que são consideradas como arte. Sim, isso em parte é explicado pelo atravessamento autoral, citado acima, mas também há uma explicação um pouco mais complexa. No livro “Estética da fotografia: Perda e permanência” o autor François Soulages, em um capítulo chamado “Do sem-arte à arte”, se debruça justamente nesta questão. Eu não vou discutir em totalidade aqui, mas gostaria de compartilhar a epígrafe que abre o capítulo:

“Toda fotografia pode ser considerada sob o ângulo do documento ou sob o ângulo da obra de arte. Não se trata de duas espécies de foto. É o olhar de quem considera que decide” (Jean-Claude Lemangy, Enrichir, conserver, communiquer).

Soulages classifica como “sem-arte” “aquilo que não é feito com uma intenção, um projeto, uma vontade, uma pretensão artística: a maior parte das fotos pertence primeiramente à esfera do sem-arte.” (SOULAGES, 2010, P. 159), e também fala-nos dessa transição do sem-arte para arte, em um momento mais à frente o autor informa que “o que torna possível essa transformação em obra é, em primeiro lugar, a passagem de uma foto isolada a um conjunto de fotos: então a foto pode assumir uma força, um interesse e uma multiplicidade de sentidos extraordinários” (SOULAGES, 2010, P. 161).

Essa passagem explica muito bem essa dupla possibilidade da fotografia. De acordo com as escolhas feitas, a edição e/ou curadoria um conjunto de imagens pode receber o status de “autoral”. Verificamos também que essa transição não precisa ter sido pensada previamente e pode acontecer posteriormente, mesmo que não tenha sido o objetivo principal da/o fotógrafa/o.

Talvez a dúvida principal não seja o que é fotografia autoral, isso pode ser determinado de antemão ou estar latente na imagem, mas pode ser a seguinte: em um mundo fluído, onde a mudança é a palavra de ordem, a atenção do público é disputada pelos mais diversos meios, as opções são múltiplas, porém o tempo de permanência em cada uma delas é efêmero, qual o sentido da arte, como um todo, na sociedade contemporânea?

O seriado “Halston”, que estreou recentemente na Netflix e eu super recomendo, mostra a relação conturbada entre o artista e o capital. A série baseada no livro “Simply Halston: The Untold Story” conta a história do lendário estilista norte-americano que alcançou o estrelato entre os anos 70 e 80, mas viu seu império desmoronar por conta de extravagâncias sim, mas principalmente por conta de decisões desastrosas nos negócios. Ele vendeu seu nome e veio a falecer em 1990 sem conseguir recuperá-lo.

Cena de "Halston" - Netflix

Cena de “Halston” – Netflix

Desde o início do ano temos acompanhado a evolução dos NFT’s e suas cifras milionárias (restritas a um grupo seleto, claro), criptomoedas e suas flutuações e tudo isso em um contexto de crise sanitária e financeira (menos para os já bilionários). Não se pode olhar para esses eventos sem alguma desconfiança, sobretudo após 2008. Mas isso nos mostra também que a arte, dentro do atual sistema, sempre funcionará, para o capital, como uma espécie de “renda extra” que, em uma eventual necessidade, pode ser alçada ao posto de principal ou ser totalmente descartada.

Mas a intenção do presente texto não é desanimar, pelo contrário, é provocar. Fazer arte pelo simples fato de fazer é possível quando não se tem nenhuma preocupação com contas a pagar. Mas sabemos que a maioria dos mortais precisa manter uma fonte de renda segura ou depender de editais e demais incentivos para poder viabilizar um projeto. E mais, a depender de onde vem o patrocínio sabemos que algumas condições podem ser impostas, podem ser mais ou menos restritivas, mas existem.

Diante do estado atual das coisas devemos simplesmente nos conformar e ver todo o potencial humano rendido aos caprichos do mercado, ou devemos procurar uma maneira de valorizar o fazer artístico de modo que este possa se desenvolver com liberdade e não fique restrito a alguns poucos indivíduos? E para encerrar: afinal de contas para quem nós produzimos arte?

Referência Bibliográfica

SOULAGES, François. Estética da fotografia: Perda e permanência. São Paulo: Ed. Senac, 2010.